Pudera eu poder voltar no tempo.
Talvez, uns 15 anos atrás. Na adolescência tudo é bem I-N-T-E-N-S-O. Ama se muito, vive, chora, cuida, odeia e
questiona-se tudo. Queria entender se
deixei algo lá trás sem resolver. Por quê? Simples. Tenho encontrado pessoas
pela vida que parecem ser tão maduras, centradas no que quer pra vida e ‘de
repente’ mostram um lado que desconheço hoje nos meus 30 anos. Minha calmaria vira ansiedade perto de
acontecimentos assim. Demoram-se anos pra tentar amadurecer a ideia de não agir
por impulso sempre, mas leva-se apenas um mês pra que tudo volte como um tufão.
Angustia.
Será? Que envelheci 20 anos nos
dois últimos anos? Será que toda ‘rabugice’* de infância vem de fato de um
espírito velho? Sei, que desde o
primeiro relacionamento (se é que posso dar esse nome) em que um garoto de 13
anos me presenteava todos os meses com
mimos comprados com sua mesada, em que mantínhamos uma amizade além da escola
desencarnou precocemente, penso em o quanto as ultimas palavras com as pessoas
são eternas. Eternas? Sim. Eternas,
ainda lembro-me daquele domingo de janeiro de 1998.
Como toda pré-adolescente que se
preze, eu tinha sonhos, vontades e um turbilhão de sensações acontecendo. Lembro-me
do carinho que ele tinha por mim. Da companhia, nos trabalhos feitos em dupla,
no qual ele sempre brincava com minha falta de paciência só para ver minhas
bochechas rosadas. Caramba! Como a nossa
mente às vezes é um HD, uma caixa preta de informações das quais acreditamos
que já esquecemos. Pareço agora ter um filme rodando na mente. (Sinto que vou
escrever muito rs*)
Aquele mocinho sentado na carteira de trás da
minha chamava José, apelidado por nós de “Zezinho”. Era tímido, baixinho como
eu e quando ria tinha covinhas logo
abaixo das sardas nas bochechas. Era meu
“parzinho” (nome carinhosamente dado por Khalel, meu sobrinho, a pessoas que
são companhia um para o outro e se querem o bem um para o outro) em todas as
situações, na fila da famosa Hora cívica, nas danças: Junina, temáticas e das
olímpiadas, nos trabalhos em grupo e até mesmo nas aulas de natação. As que eu
mais burlava por não querer aparecer de maiô. Ah! Aquele menino sapeca, que
desamarrava meus cadarços quando não estava vendo só para depois me ‘acusar’ de
esquecida. Que por diversas vezes ligava em casa e desligava se não fosse eu
quem atendesse. Quantas saudades!
Ele se foi num domingo. Aquele
domingo tinha amanhecido estranho. Um apertinho no peito como se fosse um
presságio. Dias antes do fim das aulas, ele tinha escrito um bilhete. Sim, fui e sou dessas que conversa por
papeizinhos. Nele dizia que “mesmo você
brigando comigo, você está sempre em meus pensamentos. Gosto muito de você.” Quando
o recebi, quis rasgar, afinal eu não era tão briguenta assim (ou era né?), ia
me esquecendo da última frase, daquele bilhetinho com letras tremidas que tem
tanto significado pra mim até hoje. No fim das aulas do ano anterior, como de
costume, conversamos no final do dia, e ele contou que estava feliz com o
início das férias chegando. Que veria seu primo ‘Coxinha’ e que teria vários
assuntos pra contar e diversos dias para passear. Despedi no telefone, toda sem
graça, desejando um bom fim de semana e querendo mandar beijos, mas morrendo de
vergonha. Do outro lado da linha, uma voz mais tímida ainda fala: “Você sabe o
quanto gosto de você, não se esqueça disso.” E com a voz ainda mais engasgada
respondi: Pode não parecer, mas eu também.
No sábado, como de costume, a
vida andou em família. Sim, sou dessas que a família ficava aninhada na casa da
vó, com primas e primos todos jogando “mal, mal”, buraco e coisas afins. Na noite de domingo o telefone toca, era uma
colega da escola dizendo: “ Ficou sabendo? O Zezinho morreu.” Eu com toda a não
paciência comentei: - Poxa! Que
brincadeira sem graça Isis. Ela respondeu: “Eu queria te avisar primeiro,
sempre gostei dele, mas ele sempre foi apaixonado por você”. Vai aparecer no
jornal, me contaram que foi acidente feio. “Queria te ligar pra avisar, bjo.”
Sem entender muita coisa, desliguei o tel e comentei com minha mãe, era uma
colega da escola, parece brincar com a minha cara com um tipo de brincadeira
que eu não gostei. Passado nem um minuto da ligação, o telefone toca novamente
e eu atendo na esperança de ser realmente uma “zuação” dela. A voz do outro lado pergunta: “ Gabi? Você é
Gabriela que estuda no SESI?” Eu já tremula respondi: SIM! “Seus pais estão em
casa? Posso conversar com sua mãe?” Naquela hora só olhei pra minha mãe
provavelmente pálida e passei o telefone dizendo: É pra você! Em menos de um minuto de conversa vejo os
olhos de mamãe olharem pra mim com se fosse “ Como vou te contar isso”,
seguidos da frase: Pode deixar, verei como contar da melhor forma , qual será o
local?”.
Entre a ligação e o velório,
pareço ter ficado fora do ar. Lembro-me da minha mãe me contando, explicando
que aparentemente ele morreu na hora, sem dor. E que estava junto da mãe, do primo e da tia.
Morreram todos. Horas depois no Fantástico a notícia de que o primeiro acidente
do ano registrado após a alteração na lei matará 4 integrantes de uma mesma
família em Contagem/MG e havia indícios que o motorista do caminhão que entrou
na contramão estava embriagado. Eu, não
conseguia ter raiva , nem chorar, pensava: Como será esse ano (o ano letivo ainda
não tinha começado de fato)? E quem vai me fazer raiva, vai aprontar todas, de
quem eu comentaria com cara de brava “porque não fez o para casa”. A sensação
era de um nó. Um vazio sem ar, um vácuo!
No dia seguinte, após avisar meio
mundo do ocorrido, fomos todos no velório. Eu não chorava, ainda tinha um nó na
garganta que me impedia até mesmo de falar. Chegando à sala da funerária, encontro
um senhor alto, meio ruivo e sardento como ele que me viu rodeadas de pessoas e
disse baixinho: “Você é a Gabi? Ele sempre comentava de você, de que tinha
amigos e conversava com todos, que foi por você que ele fez mais amigos. Queria
te conhecer em outra situação. Meu filho que era apaixonado por você. E sei que
você também é por ele.” Me deu um forte abraço e nessa hora senti que ia cair
no chão. Que algumas lágrimas saíram dos olhos e eu mais que depressa as
enxuguei. Mamãe veio e perguntou: quer chegar próximo a ele pra despedir? Eu
queria, mas também queria lutar pra não ver ele ali, gelado, sem o rosto corado
de menino levado. Ele estava ali deitado, gelado como uma pedra na beira do rio,
a angústia voltou no peito esmagando o soluço do choro. Uma moça, muito bonita
se aproxima, coloca a mão nos meus ombros e diz: “Ele havia planejado te pedir
em namoro novamente no seu aniversário. Ele era meu meio irmão, de uns anos pra
cá que o conheci, o sorriso dele me encantou desde o primeiro dia. Tenho
certeza que lá do céu ele olhará por você, tenho ternura por saber do carinho
de vocês. Tão novos e respeitando a vontade um do outro”. Explicando melhor a
fala dela, no ano anterior, José tinha me pedido em namoro, após uma festa de
Hellowen e eu disse que não. Porque não tinha idade para namorar, e que tinham
outras meninas interessadas nele e que talvez um pouco mais velha, saberia como
agir com essas situação. O fato era como contar pra minha família que eu tinha
um namorado. Timidez boba, já que nossas mães acompanhavam o desenrolar de toda
história. O motivo do aniversário, provavelmente por que o dele era um dia após
o meu, ele poderia provavelmente alegar que: agora comigo mais velha, poderíamos
namorar. Em 98, óbvio, o dia 29/06 não foi o mesmo.
O motivo de toda a história
contada aqui é: E se o tchau no telefone não fosse como foi? Por muitos meses
eu ainda permaneci engasgada, os mais próximos na escola viviam tentando me
animar com frases sobre ele, sobre como ele estaria se estivesse vivo após o
acidente que foi grave, e de alguma forma, pensar que ele estava em paz me
confortava. E que desencarnou junto com a mãe, a quem era tão agarrado. Não consigo nem imaginar ele sem
ela ou ela sem ele. Precoce? Eu sei, ninguém planeja morrer tão jovem. Mas
cabe a Deus determinar como cuidar dos “seus”. Passado muitos meses que
consegui chorar a ausência que era presença em todo lugar. Um arrependimento?
Talvez, só talvez, ter planejado muito os anos dali pra frente de alguma forma
com ele. E a vida tentando desde sempre mostrar que: Quem muito planeja, às
vezes esquece de viver. Desde então, e
após muitos outros casos que um dia descrevo aqui, que penso em não dormir
magoada, não esperar até o outro dia pra resolver mal entendidos, aprendi o
valor do “Tchau”. Afobação? Não. Apenas ter a certeza que se por algum desígnio
do céus eu for embora amanhã. Com você eu estou em paz! Há muitos que estão em
hospitais acamados, por guardarem sensações engasgadas e sentimentos feridos. Não
quero ser doença pra ninguém e nem adoecer por ter hesitado em falar.
*Que demonstra mau humor, que não
tem tolerância, que vive implicando ou se queixando de tudo.
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